Volta e meia passam-se coisas na actualidade nacional que são verdadeiramente exemplares. No meio do debate e indignação sobre o jantar da websummit no Panteão trouxe-se para a discussão o caso da Tecnoforma.
No Panteão tomou-se uma decisão de mau gosto em cima de uma decisão racional que é autorizar em princípio eventos em monumentos. Joana Mortágua (ou Mariana, não as distingo bem), disse que “meteram o património à venda”, lembrando-me assim de mais uma razão pela qual não sou fã dela nem do seu grupo, falam mal. Não se mete nada à venda, um deputado da Nação devia falar melhor, mas fazer exames de Português, exigir que pessoas licenciadas o dominem e respeitem e que os deputados tenham um nível cultural acima da média deve ser fascista. Além do mais vender é muito diferente de arrendar ou concessionar, pessoas com reputação de saberem de economia deviam ter respeito pela exactidão dos termos.
O primeiro ministro, ao ver que a população soube da festa no Panteão e que a parte dela que se interessou pelo caso não achou graça nenhuma, disse logo que aquilo era indigno. Felizmente que a indignidade não é retroactiva e jantares que lá se fizeram antes não mereceram essa classificação.Se ninguém souber, não é indigno. Também confirmou que por cá um membro do governo pode ser responsável por autorizações para coisas indignas que isso não tem consequências.
No “calor do debate” o Público decidiu publicar uma notícia requentada sobre o caso da Tecnoforma uma empresa de formação profissional que fechou há anos . Como, arrisco, nuns 80% das empresas de formação profissional na época, houve aldrabice da grossa. Não só se engrupia quem pagava (os horríveis alemães) com todo o género de despesas falsas e actividades fantasma como o que se produzia, em princípio pessoas formadas , estava longe de ser o que se esperava e que o país precisava. Milhares de portugueses passaram por programas de formação e novas oportunidades e saíram pouco melhor do que entraram, mas sempre tiveram umas horas subsidiadas e os formadores, mais os formadores dos formadores e os coordenadores dos formadores dos formadores, safaram-se bem, pagos por tabelas europeias.
O caso da Tecnoforma foi exemplar porque estava ligada ao Relvas e ao Passos Coelho. O Relvas para mim é um modelo de pato bravo arrangista , um chico esperto licenciado instantâneamente que andou na política para fazer negócios, e correu-lhe bem, está milionário e à solta, cheio de amigos poderosos e reconhecidos. O Passos, ao que sei do que li sobre este caso, já não estava ligado à Tecnoforma na altura a que se refere esta investigação por fraude. Não interessa a quem o ataca e sinceramente a mim também não muito, porque acho que qualquer pessoa inteligente com ambições e responsabilidades políticas se deve afastar sempre de coisas em que haja nem que seja um aroma de irregularidade, e esses esquemas sempre tresandaram. Ainda assim uma pessoa mais distraída podia perguntar, ao ver as redes sociais indignadas com a Tecnoforma e uma notícia velha de meses: mas o que tem uma coisa a ver com a outra?
Ando a passar tempo demais no twitter e faz-me um certo mal aos nervos, não sei se tenho estômago para continuar, porque ou só seguimos pessoas que partilham as nossas ideias ou, se queremos alargar os horizontes e seguir “adversários” tipo comunistas ou benfiquistas, é bom termos muita calma e sermos compreensivos. Uma das “personalidades” disse , perante aclamação : de cada vez que me disserem Panteão eu digo Tecnoforma. O twitter é bastante tribal e se tivermos muitos seguidores podemos dizer coisas estúpidas que há sempre quem aplauda. Deixei este link como resposta a um tweet tão espirituoso , define “whataboutism” , e este post é sobre isso.
Whataboutism pode ser, com boa vontade, traduzido como Entãoeaquilismo , e é o processo pelo qual se contraria uma crítica com uma observação pouco ou nada relacionada com o objecto da crítica. Está cada vez mais em uso, porque é fácil e poupa a trabalheira de pensar ,recolher e apresentar argumentos pertinentes. Exemplos:
-O islâmismo é uma das maiores ameaças à cultura e sociedade europeias.
-E as cruzadas e a inquisição?
-Este governo está a aumentar e consolidar privilégios de funcionários públicos que não têm justificação .
-Gostavas mais quando o Passos cortava as pensões, não era?
-O comunismo criou mais miséria que outra coisa.
-E a devastação ambiental produzida pelo capitalismo?
-O Trump está gravado a orgulhar-se de molestar mulheres.
-E os bicos ao Bill Clinton na sala oval?
-Há demasiados subsídios que distorcem o mercado e desincentivam a criatividade ,a iniciativa e a concorrência.
-E os subsídios todos que vão para os Açores?
-O Benfica tem a judite e o MP à perna por indícios de corrupção.
-E aquele gajo do Sporting que foi apanhado a fazer um depósito na conta de um árbitro?
Os exemplos são muitos, basta estar atento e encontram-se todos os dias , eu próprio tenho a certeza de que em dez anos de blog e mais de mil posts sobre muita coisa hei-de ter recorrido ao processo, mesmo sem o saber, nalguma crítica que fiz. Num mundo feito de imediatismo , de reacções por reflexo, de casos que “incendeiam” num dia para serem esquecidos três dias depois, de inconsequência e superficialidade, cada vez vamos ter mais disto.
Ainda sobre o relacionar do que não tem relação, um indivíduo chamado Aurélio Malva criou um quadro em excel onde contabiliza as referências na imprensa aos casos Panteão e Tecnoforma. Esse quadro excel, mais a diatribe sobre a imprensa de referência que o acompanha, está neste momento a ser partilhado e aplaudido por milhares por todas as redes. O sr. Malva, que se apresenta como “músico na Brigada Vítor Jara”, logo, muito qualificado para elaborar esses estudos, demonstra que a imprensa não dedicou nenhuma atenção à Tecnoforma em comparação com o Panteão, por exemplo vê-se lá que o Público não fez qualquer referência ao caso Tecnoforma entre os dias 11 e 14 deste mês. Esta é a capa do Público de dia 13.