Aqui há uns meses um amigo ligou-me a saber sobre os requerimentos para ter uma criação de ovelhas formalizada e legalizada. A sua principal preocupação era saber se era obrigatório vacinar as ovelhas. Disse-lhe que nem sequer havia vacinas para ovelhas mas que não é obrigado a nada. A obrigação de fazer tratamentos sanitários às ovelhas vem de não as querer deixar morrer de parasitas, diarreias ou infecções, porque a homeopatia e toda a gama de “medicinas alternativas”, por estranho que pareça, não funciona em animais, que por serem animais são imunes ao poder de sugestão.
Este amigo é da fornada de pessoal “alternativo” , que se informa pela internet com o mesmo critério que um gato usa para escolher um sítio para se deitar, que nega a Ciência sem conseguir explicar em que consiste o método científico e que acredita em tudo desde que não venha de fontes tradicionais e verificadas. Uma publicação como a Nature , ou mais especializada ainda, divulga um estudo: é prontamente taxada de mercenária da indústria e porta voz de interesses obscuros. Um maluco numa cave da Califórnia explica com a ajuda de três fotografias que os incêndios florestais são causados por raios espaciais enviados pelo governo: há ali qualquer coisa que faz sentido. Fico fora de mim.
Hoje foi uma amiga que tem dois filhos pequenos, e a conversa começou pelas ovelhas.
– O que é que as tuas ovelhas comem?
-Erva , incenso, faia e no inverno um bocadinho de ração
-Que ração é ?
-É a 520, o que leva não sei, mas é industrial.
Passou a explicar-me que encontrou um fornecedor no continente que vende ração biológica . A diferença é grande: é só o dobro do preço fora o transporte.
– É que há cada vez mais pessoas a procurar alimentos biológicos.
Abstive-me de dizer que sim , é verdade que há cada vez mais pessoas com dinheiro que pensam que ganham anos de vida só por comer comida mais cara, também é um debate em que já não entro. Respeito e até aplaudo as escolhas, especialmente as escolhas dos produtores e vendedores que facturam com rótulos como “sem químicos”, à conta da ignorância de quem interiorizou que “químico” é igual a “nocivo”. E lá voltou a conversa à mesma do outro:
-E as ovelhas são vacinadas?
-Não, não há vacinas para ovelhas, e é pena. Mas tens que lhes dar desparasitantes e às vezes antibióticos.
-Mas és obrigado?
-Se não queres que elas morram, és. Quando estão doentes têm que tomar medicamentos, senão morrem.
Olhei bem para ela a ver se a informação registava, não me pareceu.
-Tu não vacinas os teus filhos?, perguntei
-Não
Tive um choque verdadeiro e deve-se ter notado na minha cara.
-Mas não os vacinas porquê?
-Estive a pesquisar e ouvi umas coisas…
-Ok, ok, mudamos já de assunto, não quero falar mais nisso.
E assim se fez. Muitas vezes é melhor desistir, sei bem que não ia mudar a opinião dela e que só a iria chatear, quando uma pessoa põe em risco a saúde dos seus filhos porque leu na internet que as vacinas causam autismo (como se o autismo não fosse uma condição que já está presente na fase de gestação) é porque tomou uma decisão e agora nada menos que uma emergência médica a fará reconsiderar. Chegada a emergência médica, vai deixar de lado as dúvidas e críticas à medicina contemporânea e vai exigir que se faça tudo o possível para que salvem a sua criança.
Não fora o facto de as crianças não terem a culpa de ter pais com pouco discernimento e eu apoiaria a 100% uma resolução que fizesse as pessoas optar : se não acreditam na ciência e medicina moderna, prescindam delas, ponto final.
Há certamente casos de determinadas vacinas que provocaram determinadas reacções adversas em determinadas pessoas. Desta constatação a recusar as vacinas em bloco vai um salto de estupidez muito grande.