Fiz um investimento em cinco ovelhas de raça apurada, daquelas de escandalizar os hippies, chamam-se INRA401 e foram “desenvolvidas” pelos franceses.Trazem sempre gémeos, muitas vezes trazem três crias e crescem mais depressa que as outras. Desde que as encomendei até chegarem foram quase 5 meses e como não podia deixar de ser chegaram na altura mais inconveniente de todas, no mesmo dia em que eu ia apanhar um avião para o Faial.
Estava no porto às oito da manhã mas só as pude tirar do contentor às 11, foi um dia muito difícil porque três delas fugiram quando estava a chegar a casa. Vieram do Alentejo, é difícil encontrar região do país mais diferente disto, vinham de uma viagem de muitos dias num contentor, vinham enervadas e aterrorizadas e assim que se apanharam com uma aberta largaram-se a fugir pelos campos fora , acabando duas delas no fundo de uma ribanceira de uns 15 metros, de onde eu nunca mais as conseguia tirar sozinho, mesmo que não estivesse a duas horas de ter que estar no aeroporto.
Quem tem amigos tem tudo, pedi ajuda e fui socorrido, estava a entrar no avião quando me mandaram uma mensagem a dizer que já estavam salvas e no seu sítio.
Quando regressei cinco dias depois uma delas tinha embrulhado uma das patas na corda que a prendia, tínha-lhe cortado a circulação e feito uma ferida e nunca mais recuperou.Desde então comecei a dar-lhe uma injecção de antibióticos por dia por indicação do veterinário, e a desinfectar a ferida mas sempre muito pessimista e ralado com a situação, a ver aquilo a piorar.
Diziam-me que o melhor a fazer era metê-la na arca, por causa das despesas do veterinário e dos curativos mas não, não era só por ter sido muito cara mas também porque acho que se ela podia viver eu devia fazer o que pudesse. Em última análise a culpa era minha, o bicho não se embrulhou por querer embrulhar-se, foi porque a deixei com essa possibilidade e não a fui ver, ou melhor, não arranjei as coisas de modo a que alguém a fosse ver todos os dias.
O veterinário foi vê-la ao fim de uma semana e disse logo que a pata estava para lá de salvação, marcou-se a cirurgia para o dia seguinte, lá fui todo nervoso. Não tenho muito estômago para feridas e sangramentos e sofrimento, não é propriamente desmaiar a ver sangue mas fico sempre um bocado arrepiado. Como nunca tinha visto nada assim e estou farto de ver crueldades para com bichos ia preparado para que a amputação fosse sem anestesia, para aguentar a ovelha a olhar para outro lado enquanto o veterinário fazia o que tinha a fazer, mas se bem que fiquei um bocado incomodado a ver de perto a ferida já a criar bichos e a alastrar fiquei logo descansado ao ver primeiro a parafernália médica que o veterinário trouxe e depois porque não só lhe deu uma injecção de anestesia local como lhe deu outra quando viu que uma não bastava. Mais uma data de instrumentos e produtos químicos, mais uma ocasião para me lembrar que a modernidade é assassina e insensível, as multinacionais farmacêuticas são horríveis, os modos ancestrais de criar gado é que eram bons e puros e que dantes tudo era melhor, incluindo abater qualquer animal que se ferisse. O belo mundo antes dos antibióticos, desinfectantes e anestesias.
Segurei a ovelha e fui olhando para o lado enquanto o veterinário limpava a ferida e preparava o corte mas depois tive mesmo que meter as mãos no sangue e segurar a pata enquanto ele serrava o osso e depois fechava a ferida com pontos. Foi mais fácil (para mim) do que eu pensava , mais uma vez me ajudou ir preparado para o pior a pensar que ia ser muito difícil, fiquei bem contente, depois de feito o penso a ovelha levantou-se e foi ter com as outras e eu mais aliviado ainda fiquei com a conta, também aí ia preparado para levar uma marretada valente mas fiquei surpreendido , primeiro porque percebo e dou valor ao que é preciso saber para chegar ali e fazer uma coisa daquelas, depois porque durou quase uma hora e mais ainda pela maneira calma, segura e atenciosa do veterinário, ia preparado para pagar o dobro ou mais , não sei se é aquela a tabela ou se tive desconto por ser…não me estico a dizer “amigo da família” mas pelo menos sou conhecido, se teve alguma influência ou não não sei, sei que voltei a casa satisfeito por ter corrido bem, por a ovelha ter-se safo e deixar de sofrer mesmo ficando coxa e por não me ter custado os olhos da cara, digo isto porque sei que uma cirurgia daquelas num cãozinho em Lisboa custava pelo menos 3 vezes mais.
Já está a comer melhor, a recuperar peso ( isto foi há 4 dias) e corre como as outras . Tenho agora 10 ovelhas, um carneiro e dois borregos que já estão vendidos, tudo de boa saúde e com as vacinas em dia. O número é ridículo para um ovinicultor alentejano, por exemplo, mas para aqui já é respeitável, já só me falta uma coisa: o cão, ou melhor, a cadela pastora que comecei a procurar e tratar, há-de vir para o ano de S.Jorge.
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